Certificações – negócio seguro ou negócio sujo? – o processo penal alemão contra
Autora: Claudia Müller-Hoff, assessora jurídica sênior para o Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos, ECCHR
O que a empresa alemã TÜV SÜD tem a ver com o rompimento da barragem B1?
A TÜV SÜD é uma empresa alemã de certificação que emite certificados em muitos setores e tópicos, em particular também em questões técnicas de segurança. No caso específico, a subsidiária brasileira da TÜV SÜD na época, o Bureau de Projetos e Consultoria Ltda, emitiu uma declaração de estabilidade para a barragem B1 da mina de Córrego de Feijão, embora a barragem não fosse segura. Isso aconteceu em setembro de 2018, apenas quatro meses antes do rompimento da estrutura. Testemunhas relataram que um funcionário alemão da TÜV SÜD de Munique ia regularmente ao Brasil e alegadamente supervisionava o trabalho da subsidiária Bureau. Em maio de 2018, ele supostamente discutiu os problemas de estabilidade com a equipe de engenharia brasileira que estava avaliando a barragem. Mas ele não impediu que uma falsa declaração de estabilidade fosse emitida.
Diante disso, cinco mulheres muito corajosas que perderam familiares na ruptura da barragem, juntamente com as organizações alemãs ECCHR e MISEREOR, apresentaram uma queixa contra a TÜV SÜD ao Ministério Público em Munique (onde a TÜV SÜD tem sua sede) em 15 de outubro de 2019. A RENSER apóia o processo.
As seguintes infrações criminosas são denunciadas: homicídio negligente, negligência que causa uma inundação e suborno em transações comerciais. As acusações são contra funcionários alemães da TÜV SÜD, assim como contra a matriz alemã e uma subsidiária alemã da TÜV SÜD.
Em sua denúncia, as mulheres familiares de vítimas fatais, ECCHR e MISEREOR acusam a TÜV SÜD de ter contribuído para o colapso da barragem de Brumadinho. Porque apesar dos óbvios riscos de segurança, a alemã TÜV SÜD não impediu sua então subsidiária brasileira Bureau de Projetos e Consultoria Ltda de emitir uma declaração de estabilidade para a barragem B1 da mina de Córrego do Feijão, embora a barragem não fosse estável.
Por que a TÜV SÜD fez isso?
Por que a TÜV SÜD agiu desta maneira? Esta questão ainda está sendo investigada na Alemanha. O que é certo, entretanto, de acordo com o Ministério Público brasileiro, é que a Vale cancela serviços com as certificadoras externas quando os resultados da auditoria não estão a favor da empresa. Assim, empresas certificadoras como a TÜV SÜD têm grande interesse em apresentar os resultados que a Vale, uma dos maiores clientes da indústria da mineração do Brasil, espera.
Qual é a situação atual do processo penal?
O Ministério Público de Munique está investigando o caso e cooperando com as autoridades investigadoras no Brasil. Devido ao fato de que o caso envolve diferentes países e idiomas, as provas têm de ser traduzidas. A investigação ainda está em andamento.
Se o Ministério Público confirmar as alegações na queixa criminal, as acusações serão levadas ao tribunal. Então começa o processo penal judicial. No momento, em março de 2022, ainda não é previsível quando isso pode acontecer.
Processo criminal ou processo civil?
Este é um procedimento criminal: trata-se de estabelecer a verdade, nomear os culpados e condená-los. O objetivo é a justiça ao invés da impunidade.
O objetivo das denúncias é abordar legalmente as causas estruturais do rompimento da barragem na Alemanha e no Brasil. Esta é uma maneira de garantir que desastres como a falha da barragem de Brumadinho não aconteçam nunca mais. As acusações na Alemanha contra a TÜV SÜD não se destinam a absolver de responsabilidade da Vale S.A., mas a de contribuir para uma reapreciação completa das diversas responsabilidades. A Vale provocou o rompimento da barragem. Sem a falsa declaração de estabilidade da TÜV SÜD, a Vale teria dificuldades de comprovar a regularidade da barragem e poderia ter sido obrigada a realizar a evacuação das pessoas na mancha de inundação da estrutura.
O processo penal não tem nada a ver com os vários processos civis que também estão caminhando em paralelo na Alemanha contra a TÜV SÜD e nos quais grupos maiores de familiares de vítimas fatais estão reclamando uma compensação monetária pelos danos sofridos.
Entretanto, o processo penal pode beneficiar o processo civil. Espera-se que as juízas civis utilizem os resultados da investigação criminal, assim que estiverem disponíveis, para chegar a uma decisão.
Por que na Alemanha?
Como os funcionários alemães e uma empresa alemã são presumivelmente co-responsáveis pelo rompimento da barragem no Brasil, os tribunais alemães também têm jurisdição sobre questões relativas a este envolvimento alemão.
As empresas alemãs assumem a responsabilidade por todas as suas atividades, sejam elas empreendidas na Alemanha ou no exterior. Se eles utilizarem subsidiárias no exterior e as supervisionarem, devem ser responsáveis se, devido a erros de supervisão, uma subsidiária cometer um erro.
Assim sendo, o procedimento alemão não substitui o brasileiro, mas o complementa: ele lança luz sobre a responsabilidade dos atores alemães.
Por que existem certificadoras nas cadeias de fornecimento globais?
Empresas em indústrias de alto risco como a mineração frequentemente terceirizam a auditoria dos padrões de segurança para empresas de certificação externas. No Brasil, isto é
até exigido por lei, porque o Estado não tem capacidade suficiente para fazer a auditoria em si. Entretanto, as certificadoras são pagas pelas empresas que eles devem auditar – isto é um conflito de interesses. No caso da barragem B1, o Ministério Público brasileiro confirmou que a mineradora Vale cancelou o contrato com as empresas de certificação quando o resultado não foi a favor da Vale. A confiabilidade das empresas certificadoras e seus resultados de testes são cruciais para a sobrevivência: os próprios operadores da mina são responsáveis pela segurança de uma barragem, as autoridades estatais só intervêm quando consideram necessário – e confiam nos testes das certificadoras. Se a TÜV SÜD brasileira tivesse recusado corretamente a declaração de estabilidade, isso teria alertado a Vale e as autoridades brasileiras. Como resultado, eles poderiam e deveriam ter iniciado medidas de segurança. Este sistema leva a lacunas na prestação de contas porque diferentes atores – como a Vale e a TÜV SÜD – culpam uns aos outros, mesmo que todos sejam culpados.
Como o caso inspirou uma nova lei na Alemanha e na União Européia
O caso sobre TÜV SÜD e o rompimento da barragem B1 ajudou a Alemanha a aprovar em junho de 2021 uma lei que obriga as empresas alemãs (com mais de 3.000 empregados, como a TÜV SÜD) a estabelecer um sistema para controlar e minimizar os riscos para os direitos humanos em todas as suas atividades e nas suas cadeias de abastecimento. Com isto, espera-se que as empresas alemãs contribuam no futuro para prevenir – e não cometer – violações dos direitos humanos onde quer que operem, incluindo no Brasil.
O caso está também ajudando a reforçar a campanha por uma lei semelhante para toda a União Europeia. Em 23 de fevereiro de 2022, a Comissão Europeia publicou o seu projeto de diretiva sobre a devida diligência em matéria de direitos humanos e sustentabilidade para as empresas.