Por omissão em Brumadinho, CVM condena ex-diretor da Vale ao pagamento de multa de R$27 milhões.
Após cinco anos e dez meses do crime que tirou a vida de 272 pessoas e provocou um dos maiores desastres ambientais e humanitários da história do Brasil, pela primeira vez uma pessoa física foi condenada pelo rompimento da Barragem B1, em Brumadinho (MG).
Após cinco anos e dez meses do crime que tirou a vida de 272 pessoas e provocou um dos maiores desastres ambientais e humanitários da história do Brasil, pela primeira vez uma pessoa física foi condenada pelo rompimento da Barragem B1, em Brumadinho (MG). A sentença foi proferida pelo colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que retomou hoje, no Rio de Janeiro, o julgamento do ex-presidente da Vale S.A., Fabio Schvartsman, e do ex-diretor de Ferrosos e Carvão da empresa, Gerd Peter Poppinga, por descumprimento do dever de diligência na condição de administradores no contexto do rompimento da Barragem. Por 3 votos a 1, os diretores da autarquia condenaram Gerd Peter Poppinga ao pagamento de multa de 27 milhões por infração ao art. 153 da Lei 6.404. Já Fabio Schvartsman foi absolvido por unanimidade.
A decisão foi obtida no contexto do Processo Administrativo Sancionador (PAS) CVM 19957.007916/2019-38, movido pela Superintendência de Processos Sancionadores da Autarquia, a partir de queixas apresentadas por acionistas críticos da mineradora em 2019. O julgamento foi iniciado 1° de outubro de 2024 e interrompido no mesmo dia, após pedido de vistas de um dos diretores da CVM. Em seu voto, o relator da matéria, Daniel Maeda, entendeu que Poppinga faltou no dever de diligência quanto aos fatos que levaram ao rompimento da Barragem B1, pois, na qualidade de Diretor de Ferrosos, era esperado que ele se envolvesse em questões técnicas, previstas nas atribuições do seu cargo, e não apenas em atividades de gestão. No entendimento do mesmo relator, no entanto, Fabio Schvartsman, então presidente da mineradora, agiu em conformidade com as exigências da Lei e do Estatuto Social da Vale, não cabendo condenação[1]. O diretor João Carlos De Andrade Uzeda Accioly foi o único a votar pela absolvição de Poppinga e Schvartsman, enquanto os demais seguiram o voto do relator, resultando na condenação do primeiro por 3×1 e na absolvição do segundo por unanimidade, 4×0.
A diretora da Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (AVABRUM), Maria Regina da Silva, reconheceu a importância da decisão, mas lamentou a absolvição do então presidente da Vale S.A. na época do rompimento da barragem: “Isso é muito revoltante, porque nós sabemos que ele sabia. Teve um processo, uma investigação muito consistente e as provas estão lá”.
A representante dos familiares das vítimas também criticou a falta de divulgação da retomada da audiência. Diferentemente da primeira, que foi anunciada com pelo menos duas semanas de antecedência, permitindo que familiares de Brumadinho se deslocassem ao Rio de Janeiro para acompanhar os trabalhos, a segunda foi informada apenas na véspera: “Foi uma surpresa muito grande, porque a gente estava esperando que essa data fosse divulgada da mesma forma que foi a anterior, dando tempo para a vítima estar presente. Uma tecla que a gente vem batendo há muito tempo é que o familiar de vítima seja incluído em todos os processos que tenha sobre esse caso. E dessa vez, a gente viu claramente que eles fizeram o todo possível para nos tirar da audiência, porque onde nós estamos seria impossível que a gente chegasse a tempo.”
Apesar de a condenação ocorrer na esfera administrativa e da absolvição do então diretor-presidente da Vale, a decisão é considerada histórica, pois estabelece um precedente crucial no processo de responsabilização por crimes como os rompimentos das duas grandes barragens que devastaram Minas Gerais na última década, reforçando a necessidade de uma punição mais rigorosa e eficaz para evitar novos crimes.
Nas palavras de Danilo Chammas, advogado da AVABRUM e morador de Brumadinho, “a decisão de hoje escancara um problema grave na governança da Vale, que não sabemos se foi solucionado até hoje. Cabe lembrar da ação judicial do Ministério Público Federal com pedido de intervenção judicial na Vale, por ter identificado um verdadeiro esquema de irresponsabilidade organizada, em que a direção estimula e acoberta práticas inseguras, persegue quem as denuncia e ao mesmo tempo se blinda das responsabilidades. Por isso, ao mesmo tempo em que saudamos a condenação de hoje ao Gerd Peter Poppinga, repudiamos profundamente a falta de punição a Fabio Schvartsman”.
Ferramenta online: acervo reúne linha do tempo sobre os processos criminais
O Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia de Brumadinho, lançado no início de 2024, é fruto da articulação entre coletivos da sociedade engajados pela justiça e contra a impunidade. Documentos oficiais estão disponibilizados na internet e organizados em uma linha do tempo. Qualquer pessoa tem acesso e pode monitorar o andamento dos processos criminais, inclusive, avaliar como as instituições de justiça estão atuando neste caso, que foi o segundo rompimento de barragem da Vale S.A. de grandes proporções em Minas Gerais.
“A coleta, identificação e agrupamento em um só lugar de todo o material que foi gerado nestes quase seis anos é um rico acervo para eternizar o que aconteceu em Brumadinho. Divulgar informações também é uma forma de fazer justiça e não deixar que o que aconteceu se apague com o tempo”, diz Danilo Chammas, advogado da AVABRUM (Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem de Brumadinho e Córrego do Feijão) e membro do Instituto Cordilheira.
Pela plataforma, é possível acompanhar não apenas os processos criminais que tramitam na justiça brasileira, mas também os desdobramentos da queixa crime apresentada por cinco mulheres, familiares de vítimas fatais, no Ministério Público de Munique. Lá está localizada a sede global da TÜV SÜD, a certificadora alemã que atestou a estabilidade da barragem meses antes de seu colapso.
Em janeiro de 2020, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) ofereceu denúncia de homicídio doloso duplamente qualificado, contra 16 pessoas físicas, incluindo o ex-presidente da companhia mineradora, que também enfrenta o julgamento na CVM. Essas mesmas pessoas e as empresas Vale S.A. e Tüv Süd Bureau de Projetos Ltda (subsidiária no Brasil da companhia alemã Tüv Süd) respondem também por diversos delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais.
Em 2023, a ação penal foi remetida para a Justiça Federal. Até o momento, os responsáveis pela perda irreparável de vidas humanas ainda não foram julgados.
[1] COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Voto do Diretor Daniel Maeda – PAS CVM 19957.007916/2019-38. Disponível em: https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/anexos/2024/20241001-pas-cvm-19957-007916-2019-38-diretor-daniel-maeda-voto.pdf. Acesso em: 11 dez. 2024.
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