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Ação penal

Brumadinho: voto de desembargador federal a favor de ex-presidente da Vale provoca indignação e revolta

Fábio Schvartsman busca livrar-se de ação penal pela tragédia em Brumadinho através de habeas corpus. Relator do processo, Flávio Boson Gambogi, votou a favor do ex-CEO, suspendendo o julgamento após pedido de vistas do desembargador revisor.

Crédito: Thais Mendes

Fabio Schvartsman pede em habeas corpus para ficar livre da ação penal. Relator do processo, Flávio Boson Gambogi, deu voto favorável ao ex-CEO. Julgamento foi suspenso porque desembargador revisor pediu vistas do processo. Faltam dois votos para decisão final

Brumadinho, 13 de dezembro de 2023 – É com profunda indignação e revolta que a AVABRUM (Associação de Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho) recebe a notícia de que o ex-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, pode não ir a julgamento pelas mortes e crimes ambientais decorrentes da ruptura da barragem da mineradora, em 25 de janeiro de 2019. O voto do desembargador do TRF6, Flávio Boson Gambogi, a favor de Schvartsman, enfraquece a confiança dos familiares das vítimas na Justiça. A AVABRUM espera que esta posição não prevaleça no tribunal e que todos os 16 réus na ação penal sejam julgados normalmente.

Até hoje, quase 5 anos após o rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, que causou a morte de 272 pessoas, ninguém foi punido, 3 vítimas continuam não encontradas e não há prazo para o julgamento da ação penal, que tramita na Justiça Federal.

Agora, Fabio Schvartsman, então presidente da Vale quando ocorreu a tragédia, tenta se livrar do julgamento por meio de um HC (habeas corpus) em que pede o trancamento da ação contra ele.

Hoje, o desembargador relator Flávio Boson Gambogi apresentou, na 2ª Turma do TRF6 (Tribunal Regional Federal), em Minas Gerais, seu favorável ao ex-CEO, ou seja, isentando ele de julgamento. Mas a análise final do HC acabou suspensa porque Pedro Felipe de Oliveira Santos, desembargador revisor, decidiu não seguir de imediato o voto do relator, e pediu vistas do processo para poder analisar de maneira mais aprofundada a questão. Faltam 2 votos para a decisão final. Não há uma data definida para a continuidade da sessão.

O trancamento de uma ação penal, pela via do habeas corpus, é medida excepcional, somente justificada em casos extremos, quando a inicial acusatória é frágil ao ponto de não descrever o fato criminoso com as suas circunstâncias ou de deixar de individualizar a conduta do acusado.

“Se o HC passar, o ex-presidente da Vale nem vai responder pelos crimes. Se ele não sabia, cabe a ele provar na Justiça, e não através de um habeas corpus, porque isso é inaceitável. O que vimos neste tribunal hoje foi uma aberração. Foi um verdadeiro cenário de que matar em nome do lucro segue valendo a pena, porque a impunidade torna o crime recorrente e é isso que nós vimos no voto do relator”, afirma Andresa Rodrigues, presidente da AVABRUM.

Homicídio doloso e qualificado

Além de Fábio Schvartsman, outras 15 pessoas respondem 270 vezes por homicídio doloso qualificado e crimes ambientais. A AVABRUM contabiliza 272 mortes, pois 2 vítimas eram gestantes. Os réus eram executivos e gestores da mineradora Vale e da Tüv Süd, certificadora alemã que atestou a segurança da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão dias antes do colapso.

Segundo investigações da Polícia Federal, dos Ministérios Públicos estadual e federal e de 2 CPIs (Assembleia Legislativa de Minas Gerais e Câmara Federal), os réus sabiam dos riscos de rompimento da barragem e nada fizeram para impedir a tragédia.

Em 2017, quando assumiu a presidência da Vale, Fabio Schvartsman disse no seu discurso de posse que “Mariana nunca mais”, numa alusão ao rompimento da barragem do Fundão, que havia matado 20 pessoas em 2015. Três anos, dois meses e 20 dias depois, o mesmo aconteceu com a barragem da Vale em Brumadinho e, ainda assim, ele defendeu durante uma audiência no Congresso que a Vale não podia ser responsabilizada por uma tragédia em uma de suas barragens, mesmo com as mortes, pois a empresa era considerada uma “joia brasileira”. Por causa dessa fala, os familiares das vítimas passaram a chamá-las de Joias.

Trâmite lento

A ação penal tramitou por mais de 3 anos na justiça mineira, mas, após recursos de 2 réus, foi transferida para a Justiça Federal. O processo está na fase de citação e cada réu tem 100 dias para fazer sua defesa, o que deixa o processo ainda mais lento. Não há data para o julgamento.

Presença da AVABRUM

Com o levantamento do sigilo do processo, ocorrido na data de ontem, alguns familiares das vítimas puderam estar presentes na sala de julgamento, acompanhados de seu advogado, sem contudo terem o direito de se manifestar. A AVABRUM foi admitida como assistente do Ministério Público na ação penal original, mas teve o mesmo pedido recusado pelo desembargador relator do habeas corpus. Membros da AVABRUM fizeram uma vigília desde a madrugada de hoje, na porta do Tribunal, com velas, cartazes e banners com as fotos de todas as 272 vítimas.

Fonte: AVABRUM